A Defesa Dos Direitos Humanos Na Visão De Mulheres Do Ministério Público - Volume I

APRESENTAÇÃO

O pensamento feminista ensina a todos nós
como amar a justiça e a liberdade,
de maneira a nutrir e afirmar a vida.

bell hooks

É com imensa satisfação que o Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público, em parceria com a Terceiro Andar, descortina sua primeira obra coletiva: A defesa dos Direitos Humanos na visão das Mulheres do Ministério Público.


Esse projeto, que ora deixa as fronteiras do imaginável para tomar corpo e materializar sonhos, inaugura mais um capítulo de uma história que começou a ser escrita, ainda no ano de 2018, com a criação do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público. O Coletivo, que hoje congrega aproximadamente quatrocentas membras de todos os ramos e unidades do Ministério Público brasileiro, pautado principiologicamente pela Carta de Belo Horizonte, permitiu às Promotoras e Procuradoras politizarem suas vivências e, numa perspectiva feminista – enquanto ação ético-política responsável e utópica, – conclamou-as a inventar um outro mundo possível.


A partir daí, as integrantes estreitaram seus vínculos, articularam-se em redes e aprofundaram os processos dialógicos destinados ao compartilhamento, reconhecimento e reinterpretação de suas experiências. Interesses, necessidades e, especialmente, discriminações e violências suportadas ao longo da trajetória profissional estabeleceram aproximações político-afetivas e motivaram a criação de uma agenda horizontal e participativa voltada à valorização das membras, na sua singularidade e pluralidade, e à ampliação da participação feminina nos espaços e rumos institucionais.


Ações digitais – como MPérolas Negras e MPlurais – tomaram as mídias sociais, com o propósito de desestabilizar narrativas homogeneizantes sobre as mulheres do Ministério Público. As campanhas transformaram-se em comissões internas dedicadas a pensar e organizar políticas em prol de uma efetiva “política da presença”, acenando para a relevância da diversidade na construção democrática do Ministério Público.


Ainda, com vistas a verificar a permeabilidade das mulheres nos espaços e dinâmicas internas, formulou-se a pesquisa: Percepções sobre as iniciativas de equidade de gênero e raça e sobre diversidade no Ministério Público Brasileiro. O diagnóstico, elaborado a partir da ressonância dos enunciados aprovados nas conferências de 2018 e 2019 na realidade local, confirmou o que a experiência empírica compartilhada já atestava: a carência de políticas institucionais efetivas de promoção da equidade de gênero, raça e diversidade.


Assim, “para dizer o que se cala” e, por consequência, se invisibiliza e naturaliza, mostrou-se particularmente importante qualificar o debate em torno da desigualdade de gênero e seus efeitos sobre as mulheres do Ministério Público. Um dos eixos de atuação do Movimento, portanto, centrou-se no letramento e na capacitação das colegas para uma atuação antidiscriminatória. O objetivo era tanto despertar a consciência discursiva de seu lugar social para as ainda insensibilizadas, quanto proporcionar maior conhecimento teórico às já despertas para as opressões produzidas pelas desigualdades de poder.


Nessa linha, foram realizados, em parceria com a Terceiro Andar, dois cursos dedicados integral e exclusivamente ao Movimento, O feminismos é para todas e Teoria Crítica do Direito, com ênfase em direitos humanos, gênero e vulnerabilidades. A oportunidade foi compartilhada por mais de 100 (cem) integrantes do Coletivo, demonstrando que, apesar da sobrecarga de trabalho e dos efeitos nefastos da pandemia sobre as mulheres, havia e há imenso interesse em articular uma rede de solidariedade em prol do reconhecimento mútuo, da capacitação e do aprimoramento em temáticas tão caras ao Ministério Público.


A presente obra arremata esse processo de qualificação das associadas, ao levar a público 30 (trinta) artigos selecionados, subscritos por mulheres que mantém ou mantiveram, em algum momento de sua vida profissional, laços com o Parquet. Embora partam de distintas perspectivas, oriundas dessas multirreferenciadas existências, todos os textos unem-se no propósito de refletir o Ministério Público como autêntico agente de transformação social e protagonista na concretização do ideal democrático e pluralista pactuado pela Constituição Federal de 1988.


A aposta em um livro exclusivamente pensado e composto por mulheres longe está de um projeto adversarial, que permeia o impensado popular a respeito das relações estabelecidas entre corpos dissidentes nos espaços institucionais, tampouco traduz uma visão segregacionista ou de sobrevalorização feminina. Seu propósito é diametralmente oposto: é publicista e democrático, porquanto objetiva estreitar alianças e expandir a produção científica às mulheres, que ainda têm bloqueados acessos e mecanismos para o pleno exercício de sua cidadania.


Para além da importância da representatividade, como ferramenta de equidade de gênero, não se pode olvidar que a maior presença de mulheres, na construção do saber jurídico igualmente repercute no aperfeiçoamento do próprio Direito, ao conduzir perspectivas culturais e sociais historicamente segregadas do debate público, fraturando o discurso autorizado e único, que se pretende universal, e impactando o agir institucional como um todo. Acena-se assim à maior possibilidade de se produzir “conhecimento potente para a construção de mundos menos organizados por eixos de dominação.”

Se ao Ministério Público, enquanto presentante da sociedade, recai a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos fundamentais, a relação que se impulsiona com o Movimento Nacional das Mulheres do Ministério Público, aqui materializada pela soma de escritos femininos e feministas, reafirma que a única possibilidade de ressignificar o Direito é através da própria ressignificação jurídico-social de quem o constrói e reivindica a sua efetividade todos os dias.

 

É sobre esse espelho reivindicatório, de resistência e de luta pela construção de uma sociedade mais livre, justa e fraterna, que é firmado o compromisso desta obra, que, em movimento, se apresenta a fomentar o pensamento e alimentar ações transformadoras.
Que seja a primeira de muitas!

Por nós,
Para àquelas que nos antecederam,
Para àquelas que nos seguirão,
Para TODAS,

Adelante!


Chimelly Louise de Resenes Marcon
Cocoordenadora do Movimento Nacional do Ministério Público
“Elas por Todas” (2020-2022)